
Professor Antonio Carlos Lopes
"Medicina é colocar em prática o amor ao próximo"


“A Escola é o palco para se discutir o contraditório, eu sou muito favorável a discussão do contraditório, do político, aqui é o palco para se discutir conseqüentemente o conhecimento. Entrei na Escola em busca de construir o conhecimento.
A Escola é isso!”
Na realidade eu nunca tive outra idéia que não fosse fazer medicina. Eu tinha uma tia que fez obstetrícia e trabalhava na Maternidade Matarazzo e até os cinco anos fui criado por ela. De tal forma que não sei se por conta disso ou por algum outro motivo, eu nunca pensei em outra coisa a não ser fazer medicina!
Vim de uma família humilde e sempre foi muito difícil estudar. Foi muito difícil pagar o cursinho e naquela época havia aulas práticas de química, física e biologia. Fazíamos o cursinho concomitantemente com o colegial. Tinha essas aulas específicas e isso acabava ficando dispendioso! Apesar disso a minha expectativa era de entrar numa escola médica!
Eram poucas escolas médicas na época, e eu precisava entrar numa escola pública, eu não podia entrar em uma escola particular. E eu não tinha grandes perspectivas de entrar embora eu fosse um ótimo aluno durante o colegial e o cursinho.
Quando eu fiz o vestibular havia um exame psicotécnico e depois tinha um exame das principais quatro áreas: física, química, biologia, português, inglês, matemática, história, geografia e conhecimentos gerais. Depois dessa fase uma determinada quantidade de alunos aprovados ia para a prova prática. Quando eu passei nessa primeira fase já foi para mim uma surpresa muito grande! Fui para prova pratica e achei que por isto porque provavelmente eu estaria indo para minha ultima opção, que era para Botucatu! A primeira era Pinheiros, a segunda opção era a Escola Paulista. Nessa época o vestibular era todo unificado, foi a primeira época do CESCEM, isso foi em sessenta e cinco! Foi quando entraram matemática, história e geografia e conhecimentos gerais. Tendo passado por essas áreas: biologia, física, química, português, inglês, matemática, conhecimentos gerais e o psicotécnico, eu tinha sido classificado para a prova prática, para uma das cinco opções, pois tínhamos cinco escolas. Então eu já me via indo e vindo de Botucatu, na melhor das hipóteses!
Essa prova prática era muito difícil de ser feita porque era em forma de gincana. Em física, por exemplo, tínhamos que fazer uma pesagem muito delicada com balança de precisão. Ver se era uma lente convergente, divergente, calcular o atrito no plano inclinado, muito rapidinho, passando de uma estação para o outra.
Essa prova era realizada na USP. Ficávamos isolados no anfiteatro na Faculdade de Medicina de São Paulo, até que todos terminassem ficávamos incomunicáveis até duas da tarde. E no dia seguinte fizemos a prova de biologia, que foi também muito difícil, pois tínhamos que conhecer os tipos de plantas, sua classificação, se era uma cotiledônea ou monocotiledônea. Havia um camarão na aula prática e era necessário identificar todas as suas partes.
Depois veio a prova de química que, também, foi uma prova muito difícil! Você tinha cinco tubos de ensaio com um liquido transparente incolor e tinha que dizer onde estava o ácido, onde estava a base, onde estava a água, através da mistura de um com o outro devido a reação que dava, só que isso de forma muito rápida. Foi assim a prova prática e eu acabei sendo chamado para Escola Paulista! Naquela época ela era uma verdadeira família. Todos nos conhecíamos, um aprendia com o outro, tudo com muita amizade. Minha turma tinha oitenta alunos, com mais de dez que vinham de outros países da América do Sul por meio de convênio. No total eram apenas dez mulheres.
Eu não tinha nenhuma esperança de chegar aqui. Antes de chegar à Escola eu não tinha a menor idéia do era um curso médico. Essa lembrança me corta a fala e me emociona muito!
Meu pai era fundidor e minha mãe era dona de casa! E éramos apenas eu e meu irmão. Meu irmão estava se preparando para entrar na Faculdade de Direito. Morávamos no Brás, onde fui criado, um bairro muito pobre da cidade. Entrando na Escola naquela idade eu não tinha a menor idéia do que era um curso médico. Por exemplo, eu sabia que tinha pediatra, mas não sabia que tinha uma disciplina de pediatria na faculdade!
Mas eu tinha tido uma atividade esportiva muito grande antes de entrar na faculdade porque no Brás eu fui praticamente criado no Corinthians, sendo federado de natação, e chegando aqui na Escola eles ficaram surpresos por eu ter já umas habilidades esportivas e me escalavam para a Poli-Medi e a Pauli-Poli.
E eu nunca fui jogar, nunca fui nadar porque eu precisava estudar. E quando eu entrei aqui na faculdade, na Escola, eu esqueci completamente o esporte e me dediquei aos estudos. A partir daí minha vida era só estudar e fazer medicina, eu era apaixonado por medicina. Eu nunca tinha imaginado fazer carreira universitária, eu queria ser um bom médico, era esse meu objetivo, era o que eu gostava! Sou médico por profissão e docente por circunstâncias!
Eu comecei a ter surpresas muito grandes. Comecei a ter um destaque em relação aos meus colegas, passei a ser o primeiro aluno da classe, não tinha nota nunca menor que nove, passava por média em todas as matérias. Isso não é nenhum convencimento! Eu estudava! Eu estudava sábado, domingo, feriado e mais para adiante quando eu já estagiava no hospital, eu, praticamente, morava no hospital. Eu não saía da Escola para nada! Minha mãe às vezes ligava para cá perguntando se eu estava por aqui, porque eu não ia para casa há uma semana. Então eu ficava na expectativa de que alguém faltasse o plantão para que eu usar a cama dele no pronto socorro. Nos ambulatórios do terceiro ano eu torcia para que o pessoal do sexto ano não viesse para que eu pudesse ocupar o lugar deles no ambulatório.
No quarto ano era hábito irmos para a Europa, pagávamos uma mensalidadezinha do primeiro ao quarto ano, e no quarto ano íamos para Europa e passávamos três meses. Mas na minha vez de ir, os professores da Disciplina de Cardiologia me perguntaram se eu queria ficar e tocar todo o ambulatório da Cardiologia, praticamente sem outros alunos! O sexto ano saindo, e eu ali. Eu deixei de ir para Europa para ficar na Cardiologia da Escola, fazendo ambulatório, atender os pacientes com os professores, fazer o papel do sextoanista.
No quarto ano eu fiz concurso para a Clínica Infantil do Ipiranga, era hábito você fazer maternidade naquela época, ou fazia na Clínica Infantil do Ipiranga ou fazia na Casa Maternal. A prova da Casa Maternal envolvia uma prova de obstetrícia que era feita através de um curso dado antes e a prova da Clínica Médica do Ipiranga, envolvia, propedêutica, banco de sangue e anatomia. Decidi fazer a Clínica Infantil do Ipiranga por que era medicina que eu já fazia, ia ter que estudar um pouco obstetrícia. Tinha muitos candidatos, todas as Escolas iam fazer, porque eram apenas esses dois hospitais que tinham, e para surpresa minha eu passei em primeiro lugar! Mas puxa! Passar para mim já era alguma coisa inesperada! Entrar na Escola Paulista já foi algo inesperado!
Era uma época que a Escola Paulista tinha a área Clínica muito boa, e a básica excelente. Eu não entendia muito o porquê, mas fui fazer cirurgia também, não sabia nada da medicina e a cirurgia era uma coisa que me atraía! Fui para a Clínica do Ipiranga e lá ficava de plantão sábado e domingo à noite. No domingo eram quatro horas. Dessa forma entrei em contato com a obstetrícia e assim por diante. Eu sempre estava no hospital, dia e noite, procurando fazer o máximo e quando faltava alguém, eu cobria aquela deficiência, aquela ausência, então os sextoanistas sabiam que podiam ir embora, pois quando eu estava por lá, eu os cobria.
Chegou o tempo de fazer minha residência e nessa época, embora isso ainda exista de maneira bem pior acontecia algo interessante: havia um preparatório para os alunos da Escola, naquela época de residência os alunos moravam na Escola, no Hospital São Paulo, quem acompanhava a residência eram os residentes mais antigos, então era muito comum existir cursos preparatórios para o exame de residência.
Embora a Escola fosse sempre muito democrática, havia de certa forma favorecimentos. Meus colegas, praticamente já queriam sair do curso para a residência. Eu continuava trabalhando no hospital, porque imaginava o seguinte: não é possível que depois de seis anos fosse preciso estudar para a residência, para mim isso era uma conseqüência normal. Eu comecei a perceber que uma das expectativas dos meus colegas era que eu não passasse em 1° lugar. Essa que era a rivalidade toda. Eu não via motivo para isso, porque minha situação não era fácil. Eu tinha duas roupas para ir para Escola, eu não tinha uma terceira. Uma eu punha numa semana e a outra na semana seguinte. Então eu não tinha dinheiro para ir a lugar nenhum, eu vinha de ônibus para Escola. De lá do Brás até aqui carregando os livros pesados, os ônibus lotados.
Um dia, eu nunca me esqueço, vim à tarde na Escola, ainda eram férias, abri o anfiteatro e encontrei todos os meus colegas tendo revisão de prova e, eu não tinha sido avisado dessa revisão. Eu abri a porta e disseram: “está tendo revisão entra!” E eu “disse:”não vou fazer revisão nenhuma. Revisão eu estou fazendo há seis anos”. Veio a prova e eu passei em primeiro lugar, errei só três ou quatro questões na prova toda, uma de pediatria e três de ortopedia! Bom aí começou R1, R2, R3!
Naquela época eram dois anos de Clínica Médica e um ano na especialidade que se escolhia. Eu fiz dois anos de Clínica Médica e fiz o R3 em Cardiologia. Mais como eu tinha sido monitor da Cardiologia, naquela época, não tinha uma monitoria oficial, eu era um monitor mais não era oficial, eu já não fiz a Cardiologia comum, eu já fui para uma 4 subespecialidade da Cardiologia, que era Hemodinâmica. Eu precisava fazer muitos cateterismos porque eu não sabia se eu ia realmente continuar a fazer isso ou não.
Então eu fazia o seguinte: de tarde eu pegava o doente no ambulatório e fazia um cateterismo, somente com a ajuda de um residente, um R1 que precisava colaborar e depois deixava o doente no meu quarto na residência. Não tinha leito para eles, e como fazer cateterismo se não tinha quarto? Então fazia o cateterismo a uma hora da tarde e deixava o paciente lá na residência, na minha cama ate às seis horas da tarde. Às sete horas dava alta para o paciente, ele ia para casa e eu tinha feito o cateterismo. Fiz isso várias vezes até que alguém descobriu e criou um empecilho, disse que eu não podia fazer isso, que eu era residente e não podia por o paciente no meu quarto na residência, e acabou destruindo meu esquema que era muito importante, eu estava fazendo um banco de dados, uma “slidoteca”, um banco de slides com todas as situações cardíacas.
Nessa época eu estava acabando meu R3 e com mais um ano me tornei preceptor dos residentes de cardiologia, e tinha um conhecimento bastante forte. Talvez até comparado com alguns docentes, talvez ate mais do que eles porque eu estava presente e um dos itens importantes do sucesso é a presença, em segundo a competência e em terceiro a comunicação. A presença é um critério de sucesso!
Quando cheguei ao final do R4 abriu um concurso na Propedêutica, chamava Propedêutica Médica, era outra disciplina. Eu queria fazer o concurso porque queria entrar na Escola! Eu já sabia o que era Escola, que existia uma carreira universitária pela frente, que eu podia continuar na Escola. Comecei adquirir a cultura institucional da carreira universitária. Ai eu decidi! “Quero seguir carreira universitária, quero ficar como docente na Escola e vou fazer concurso!” Fiz o concurso da Propedêutica e o pessoal da Cardiologia não queria que eu saísse mais eles também não me davam chance por lá. Porque naquela época quem tinha mais dinheiro tinha mais privilégios. Pois um residente mais abonado, doou um aparelho de fonocardiograma, naquela época não existia o ecocardiograma! E o chefe da Cardiologia na época chamava o indivíduo bem mais novo do que eu pelo nome, e o meu nome ele não sabia. Isso é a pior coisa que pode existir para quem exerce um tipo de liderança é você não ter o reconhecimento de ser chamado pelo seu nome, quando você sabe que o que discrimina é o poder econômico!
Eu fiquei muito chateado e falei: “Não, não vou ficar na Cardiologia, vou fazer concurso para a Propedêutica!” Mas aí ninguém podia saber e isso tinha que passar pelo Departamento, e o chefe da Cardiologia fazia parte do Departamento de Medicina. Então eu fiz o seguinte, pedi para um outro elemento para que na hora que fosse passar meu nome como candidato, ele chamasse a atenção do Chefe do Departamento de Cardiologia, e que conversasse com ele, para que ele não ouvisse. Ele não ouviu e meu nome passou e ficou sem saber. Senão ele teria bloqueado na hora.
Depois de algum tempo, quase na véspera, uns dez dias antes do concurso, ele ficou sabendo e disse que se eu fizesse o concurso na Propedêutica não entraria mais na Cardiologia. Segundo ele porque eu entraria numa posição superior aos que já estavam lá há mais tempo.
Eu fiz o concurso e fui aprovado! Fiz prova pratica, teórica e didática. Um concurso muito sério! Nunca tive nenhum favorecimento na Escola, muito pelo contrário. Mais ou menos uns dez dias depois do concurso, o chefe Cardiologia me falou: “Olha, eu gostaria que você continuasse na Cardiologia, porque tem uma produção boa, tem muita coisa publicada, mas é que nós achamos que você não dá muita atenção, muita satisfação das coisas que você faz você é um pouco individualista!” Eu falei: “Será que não é pelo fato de não receber apoio de vocês, será que se eu recebesse apoio eu não seria mais corporativista!” Ele respondeu: “Não! Mas de qualquer forma gostaria muito que você ficasse, porque os monitores, o pessoal gosta muito de você!”. Eu respondi “Está bem, só que agora eu não quero mais, o senhor deve manter a sua palavra de eu nunca mais poder ir para Cardiologia”. Não quero mais! Então eu assumi a Propedêutica.
Só que aí veio um negocio interessante, a Escola criou a pós- graduação em 1972, eu era R2 na época e eu já estava na Propedêutica e lá não abriu a pós-graduação e eu pensei: “Bom, como é que eu faço agora para fazer a pós-graduação?” Eu tinha que fazer Cardiologia porque era minha área na época. Eu fui pedir para o chefe do departamento se eu podia fazer a pós-graduação na Cardiologia, aí ele falou: “Não, aqui não dá para fazer a pós-graduação, você não se dá bem conosco.” Eu falei: “Então está bom!”.
Fui procurar o Prof. Horácio Kneese de Mello. Todos os parentes do Prof. Horácio Kneesse de Mello eram meus clientes indicados pelo Prof. Prates. O Prof. Prates me indicou porque era muito amigo do Prof. Horacio! Eu fui falar com ele que era o Titular da Cardiologia, e Diretor da Escola e expliquei para ele a situação.
A Cardiologia da Escola embora fosse muito ruim naquela época, foi à primeira Cardiologia a ter pós-graduação aprovada pelo MEC. A Nefrologia já tinha montado a dela, e quando a Nefrologia montou a sua pós-graduação o Prof. Oswaldo Ramos, com todo mérito que ele tinha, disse assim: “Olha está aqui a pós-graduação, é assim que se faz! Quem quiser que faça igual!”. E a Cardiologia saiu correndo e fez! Bom, aí o Prof. Horácio Kneese de Mello chamou o Prof. Barcellini, chefe da Cardiologia e disse: “Olha, Antonio Carlos tem direito a fazer a pós-graduação, tem gente de fora fazendo a pós-graduação, porque ele que é da Escola não pode? Isso é discriminatório!” Aí, ele aceitou!
Numa dessas reuniões que fez ele disse para o pessoal: “Bom, ele não vai conseguir fazer a pós-graduação, ele já tem consultório, ele não vai ter tempo para isso, não vai ter tempo fazer a tese”. Só que ele se enganou porque no dia que eu me formei eu já comecei a faze a minha tese de doutorado, sem saber que ia ser em nível de doutorado, mas num nível tradicional e a tese estava pronta.
Eu me escrevi e nesse um ano eu fiz todos os créditos possíveis, eu largava o consultório e ia fazer matemática avançada, voltava para o consultório, vinha para cá, fazia mais um curso e assim foi! Ele nunca imaginou que eu pudesse fazer aquilo! Quando chegou ao final do ano, eu entreguei a tese para ele e tinha feito todos os créditos. E ele disse: “Mas como você fez essa tese em um ano?”. “Eu não fiz essa tese em um ano, eu fiz em cinco anos”, ai ele falou que entrava como meu orientador para eu defender a minha tese e foi assim.
Ele entrou na banca como meu orientador, e na realidade foi o único que criticou a tese. Foi uma atitude muito estranha porque todos elogiaram, inclusive o Prof. Rato que estava na banca, ao lado de outros professores notáveis e foi muito estranho, ele criticar a tese enquanto orientador.
Terminei o doutorado e continuei na Propedêutica, eu fui o primeiro doutor, pós-graduado em Cardiologia no Brasil, porque a USP não tinha pós-graduação em cardiologia.
Tive outro problema com a Cardiologia. Estimulado pelo Prof. Domingos Deláscio, que veio a ser meu sogro depois, e que era homenageado há 35 anos na Escola, paraninfo há seis, sete anos, patrono mais uns seis ou quatro, e ele que, realmente, era o obstetra de quase todos da Escola, por influencia dele, no quarto ano, quando eu era aluno da Cardiologia, comecei a estudar doenças cardíacas em mulheres grávidas. Fui falar para ele que eu queria estudar cardiopatia na gravidez, ele achou maravilhoso e me colocou em contato com todo mundo. Quando foi depois no doutorado, acho que em 1980 mais ou menos, eu fiz o livro de Cardiopatia na Gravidez. Para fazê-lo eu convidei o pessoal da Cardiologia da Escola para colaborar, escrevendo um capítulo, mas ninguém quis entrar no livro, apenas duas pessoas entraram a revelia do departamento: o Prof. Celso Ferreira e o Prof. Celso Martinez. Disseram que iam me impedir de fazer o livro. E eu esperando que o Chefe da Cardiologia viesse falar comigo, mas cruzava com ele no corredor do hospital e ele nunca tocou no assunto.
Mas tem outro detalhe também, quando eu era R3 na Cardiologia, existia e existe ainda uma prova chamada “título de especialista” em Cardiologia, feita pela Sociedade de Cardiologia e ele avisou a todas as pessoas a para mim. E tinha que se inscrever até seis meses antes em São Paulo. E o exame era no Rio de Janeiro no Congresso da Sociedade de Cardiologia. Quando eu chego ao Rio de Janeiro para o Congresso, comecei a ver todo mundo estudando cardiologia e fiquei me perguntando por que estava todo mundo estudando cardiologia, todos contemporâneos meus e me disseram que era porque ia ter prova para Especialistas naquela tarde. E eu disse: “Como? Porque que eu não me inscrevi? Eu quero me escrever”. Aí o pessoal disse que não dava para se inscrever, pois, havia necessidade de se inscrever seis meses antes em São Paulo. Falei com a secretaria da Cardiologia, ela ficou muito sensibilizada e falou para eu fazer a prova e chegando a São Paulo eu faria a minha inscrição retroativa.
Cheguei à tarde para fazer a prova, entrei numa sala grande sentei logo na primeira cadeira e chegou o coordenador da prova que era o Chefe da Cardiologia e falou: “O que você faz aqui?” Eu disse: “Vou fazer a prova de especialista”. Nessa época eu já era Assistente da Propedêutica há um ano e ele falou que eu não precisava fazer prova porque eu já era Assistente da Escola! Eu disse: “Não! Eu quero ter o título de Especialista em Cardiologia”. E ele quis saber como eu fiquei sabendo dessa prova e eu lhe disse que tinha tomado conhecimento no Congresso.
Fiz a prova e passei em segundo lugar! No dia seguinte, ele, o chefe de Departamento da Cardiologia começou a divulgar que o segundo lugar na prova de Especialistas do Rio de janeiro tinha sido obtido por um aluno da Escola. Eu não tive nem tempo de ler nada, 7 preparar nada e ele elogiando a Escola em função do meu titulo de especialista, eu tinha passado em primeiro lugar. Então essas foram algumas dificuldades.
Depois eu passei para Adjunto, naquela época para se tornar adjunto tinha concurso, não era por tempo de carreira, porque fez doutorado simplesmente, mas foi uma prova onde o currículo era avaliado. Concorreram comigo o Prof. Manoel Lopes dos Santos, o Prof. Antonio Roberto Chacra, o Prof. Boris Barone enfim, não sei mais quem. Eram cinco vagas e eu passei em terceiro lugar! Em primeiro lugar foi Manoel Lopes dos Santos, em segundo foi o Boris e o terceiro fui eu. Fui Adjunto por concurso e depois fui seguir minha vida.
Eu comecei a perceber que quem não orientava tese, não era orientador, não ia conseguir títulos suficientes para galgar alguns cargos. Naquela época a livre docência na Escola era fechada. Na Propedêutica não tinha pós-graduação, então propus ao Prof. Jesus PanChacon e ao Prof. Saul Goldenberg que permitissem que eu orientasse teses na Gastrologia Cirúrgica e a na Técnica Operatória. De tal forma que da Propedêutica eu era o único que orientava teses, e sem ser orientador você não podia caminhar depois para frente. Essas são as coisas boas!
Veio a época da Livre Docência! A Escola criou a Livre Docência e eu falei, bom preciso fazer a livre docência. Aconteceu o seguinte: um dia cheguei para o Prof. Duílio Sustovich e falei que queria fazer a Livre Docência e ele falou: “Mas você está louco! Tem que ter uma tese!” E eu disse: “Está tudo pronto! A tese e o memorial estão aqui!” Ele nunca imaginaria que estivesse tudo pronto! Ai ele começou a folhear e eu disse que precisava de duas cartas de apresentação de Professores da Escola como necessário segundo as normas para poder solicitar ao departamento. Por que naquela época não era a Escola que abria o concurso para Livre Docência, era o Departamento que autorizava mediante solicitação de algum docente interessado. E quando o concurso era lançado outros docentes poderiam fazer.
Ele me respondeu dizendo que tudo bem pediria a abertura do concurso, mas que não me daria carta de apresentação! Falei: “pedirei para outros!” Pedi para o Prof. Oswaldo Ramos e para o Prof. José Kerbauy que fizeram cartas de apresentações muito bonitas! E abriram o concurso.
Começou o concurso... Na prova escrita escrevi durante seis horas, foram quarenta páginas de papel almaço e a banca recomendou que eu publicasse como artigo de atualização. Isso foi na segunda-feira, na terça feira, eu cheguei à Escola para fazer a prova prática e eles falaram para mim que iríamos fazer a prova prática no HC lá na USP. Trouxeram o doente para eu fazer os diagnósticos, no ambulatório de um dos andares para eu não saber de onde vinha, e aí, realmente, foi um dos grandes momentos da minha vida,! Eu fiz todos os diagnósticos sem nenhum exame subsidiário. Depois no dia seguinte eles confirmaram meu diagnóstico. Tinha chegado um exame que confirmava meu diagnóstico. Isso foi muito interessante porque o Titular da USP, que estava banca, o Prof. Antonino Rocha, que infelizmente foi assassinado no dia que acabou o meu concurso, confirmou que eu tinha feito todos esses diagnósticos sem nenhum exame subsidiário, sem laboratório, apenas com o exame clínico. Ele disse que gostaria de conversar com comigo sobre o caso fora do concurso e que minhas sugestões foram muito úteis para eles e que de todos os concursos 8 de Livre docente que ele tinha participado eu havia sido o candidato mais preparado! Isso foi muito bom e gratificante!
Durante o concurso aconteceu algo muito interessante, porque tinha um indivíduo de 22 anos na prova prática e que eu teria que fazer um toque retal no paciente. Eu tinha a minha luva, pois sou um médico e sempre levo comigo na minha malinha. Os componentes da banca disseram que eu não precisaria fazer o toque, pois eles sabiam que eu sabia fazer e que era desnecessário e eu disse, que queria fazer! E fiz! E isso encafifou muito a banca e depois me perguntaram o porquê de fazer o toque retal? E eu expliquei para eles que se tratava de um paciente hepatopata, que a próstata sofria influência hormonal. Fiz toda a cascata de hormônios masculinos, femininos para eles. Perguntaram, a mesma coisa para o outro candidato, porque ele teria que fazer toque retal e ele disse: Por que era rotina. Ele não sabia de nada!
Ele teve um desempenho muito fraco na prova prática, conforme a banca me contou depois que acabou o concurso, hoje conheço todo pessoal da banca e apesar disso eles conseguiram dar a mesma nota para mim e para ele no computo geral. Não sei como conseguiram arrumar as notas, mas a explicação que deram foi que nós estávamos na mesma disciplina e se eu tivesse nota mais alta que ele ia criar um desconforto na disciplina. Fiquei muito bravo e na época eu falei para o Prof. Oswaldo Ramos e para os outros elementos da a banca e para o outro candidato: “Olha, nós ainda vamos nos encontra em outros concursos e não vai ser possível dar a mesma nota para os dois!” Eu achei um absurdo! Não foi por causa da nota, mas porque isso não foi honesto!
O Prof. Oswaldo achava, naquela época, que quem fazia Livre Docência, tinha que ter sua enfermaria, tinha que começar a criar! Hoje tudo é patrocinado!
Então falei que queria ir para o Pronto-Socorro, fazer o que ninguém fazia e o que ninguém queria. Aí todo mundo achou estranho eu querer ir para o Pronto Socorro, porque é um lugar difícil para trabalhar, sem recursos. Mas aí comecei a trabalhar, ganhei um carro de presente de um cliente meu e doei para a Escola fazer uma rifa, para podermos construir uma das enfermarias.
Quando a Escola entrou em greve o Prof. Oswaldo Ramos perguntou se eu poderia manter o Pronto-Socorro aberto. Falei: “Mantenho!”. Fiquei durante 30 dias, um mês inteiro, sem sair daqui, dia e noite, ia para casa só para tomar banho! Passavam de madrugada e estávamos ali com mais três ou quatro no plantão. E mantínhamos o Pronto-Socorro aberto!
Quando acabou a greve, ele falou assim: “Olha, isso que você fez me dá toda tranqüilidade para eu te ajudar no que for necessário, porque realmente você largou o consultório em prol do Pronto Socorro!” Ele pegou o setor e começou a agregar pessoas e criou uma Disciplina de Medicina de Urgência, coisa que não acontecia no Departamento de Medicina há pelo menos vinte anos! E aí apareceu uma vaga para Titular e começaram a entrega de currículos e eu tinha o melhore currículo na área Clínica e abriu um concurso para Titular de Medicina de Urgência. Eu era candidato único! Eu era da Propedêutica e fiz para Medicina de Urgência.
Quando o professor Duílio Sustovich se aposentou disseram que iam abrir o concurso para Clínica Médica e eu falei para eles que se abrisse o concurso eu ia fazer novo concurso para Titular. Acharam um absurdo eu fazer o concurso para titular novamente e acharam que eu não teria coragem de me expor.
Com isso começou um comentário na Escola que eu queria ser titular duas vezes, que eu queria ser melhor que os outros. Eu fiz o seguinte, estrategicamente chamei cinco titulares, meus pares na época, para que falassem com chefe do departamento para que ele me desse uma das duas enfermarias que existem no Hospital, para eu poder trabalhar que assim eu não faria o concurso.
Porque na verdade eu queria que ele me oferecesse isso! E a Escola toda questionando o fato de que eu seria titular duas vezes, eu não podia deixar essa conversa ficar rodando por aí e, novamente, o chamei e fiz a mesma proposta! Novamente ele disse não! E aí a coisa virou contra ele, porque ai todo mundo dizia: “Está vendo ele quer trabalhar e o outro não quer dar uma chance”. Mas, mesmo assim o pessoal da Escola continuava achando uma loucura eu fazer o concurso.
O Departamento de Medicina sempre foi muito forte, e fazer o Concurso de Professor de Titular de Clínica Médica, sem o seu correspondente aval, já sendo Professor Titular de Medicina de Urgência foi preocupante, pois poderia ser escolhida uma banca tendenciosa. Mas o Conselho Universitário com uma postura extremamente honesta, liderada pelo Prof. Ulysses Fagundes Neto, Vice Reitor, pessoa muita séria, a quem até hoje sou muito grato por sua coerência e honestidade levou para o Conselho Universitário a proposta de uma banca examinadora composta por professores portadores dos melhores currículos de Clínica Médica do país e totalmente isenta. A banca foi aprovada, com três professores de fora, da Escola e dois de dentro - o Prof. José Kerbauy e o Prof. Nestor Schor, respectivamente Decano e Chefe do Departamento. Os de fora foram o Prof. Ricardo Brandt de Oliveira, o Prof. Heonir Rocha e o Prof. Jorge Luiz Gross.
Eu e mais dois docentes (um de fora da Escola) participamos do concurso e felizmente fui indicado para o cargo de Professor Titular de Clínica Médica. Foi nesse contexto de disputa que transcorreu a minha vida aqui na Escola. Assumi a Clínica Medica que estava totalmente desestruturada, sem docentes e sem recursos humanos e materiais, mas consegui que o Prof. Hélio Egydio Nogueira, Reitor na época e junto com o Prof. Ulysses Fagundes, Vice Reitor cedessem médicos nível técnico administrativo concursados para exercerem sua função na disciplina. O Prof. José Roberto Ferraro, Superintendente do Hospital São Paulo foi muito importante na resstruturação das enfermarias e a quem também, sou muito grato. As enfermarias de Clínica Médica que ficam nas alas A e B do terceiro andar do HSP estava em péssimas condições, mas com a ajuda do Departamento de Engenharia da UNIFESP, conseguimos fazer o projeto e executar as obras das novas enfermarias de Clínica Médica.
Hoje, as Enfermarias Feminina e Masculina têm piso de granito, inclusive no corredor do andar, teto rebaixado, todos os quartos têm frigobar, televisão, janelas de vidro duplo com persianas embutidas e na ala Feminina poltronas para descanso das pacientes e acompanhantes. Os banheiros foram refeitos e modernizados para oferecer conforto e privacidade aos doentes. Todo o projeto foi executado dentro das normas da ANVISA e da Comissão de Acreditação Hospitalar. No espaço físico da enfermaria a UTI com equipamentos modernos tornou-se referência no atendimento de pacientes graves sendo comparável às pertencentes aos melhores hospitais do País. Tudo dentro do humanismo e da relação médico paciente no ensino e na assistência.
A reforma do Anfiteatro Emil Burihan, no terceiro andar do HSP com capacidade para sessenta pessoas, contemplou o que há de mais atual em recursos de informática e audiovisual. O conforto também foi levando em consideração, com poltronas do padrão da Sala São Paulo da Estação Júlio Prestes, espaço para “cadeirante” e assento especial para obesos. A climatização e iluminação do ambiente tornaram o espaço único dentro complexo do HSP.
No Centro de Estudos criei o Clube dos Amigos da Clínica Médica que através de doações que nos garante uma renda mensal suficiente para a manutenção de toda esta estrutura inclusive do Gabinete Odontológico com a compra dos insumos e equipamentos.
Dentro dos paradigmas da Clínica Médica e em parceria com o Departamento de Ginecologia viabilizei o setor de Saúde Integral da Mulher, cujo objetivo é oferecer aos alunos e residentes a oportunidade de verem a mulher clinicamente e de forma holística, envolvendo os conhecimentos fundamentais das doenças ginecológicas, uma vez que muitos irão exercer a profissão em locais remotos onde as habilidades adquiridas serão fundamentais.
O conteúdo programático, dentro de um currículo fundamentalmente humanístico, desenvolvido pela Disciplina de Clínica Médica caracteriza o seu compromisso com a comunidade, dentro de um modelo pedagógico, de uma estrutura acadêmica administrativa e dos métodos modernos do processo de ensino aprendizagem.
No momento estamos finalizando as obras da Unidade Ambulatorial de Ensino Assistência e Pesquisa e o Centro de Medicina Paliativa que representam verdadeiros paradigmas dentro do ensino da Clínica Médica no País e da minha cultura institucional. Estas conquistas somente foram possíveis graças à iniciativa privada que não hesitou em acreditar mais uma vez no meu idealismo e no meu trabalho.
A Disciplina de Clínica Médica ainda oferece a residência reconhecida pela Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM), o curso de especialização sem ônus para o especializando, devidamente registrado na Pró-Reitoria de Extensão e no MEC e o curso de Pós-Graduação reconhecido pela CAPES, e que vem desenvolvendo expressiva produção científica. A iniciação científica é extremamente estimulada, oferecendo-se aos alunos toda a infra-estrutura necessária para suas atividades. O laboratório de pesquisa experimental atende às necessidades da pós-graduação e do PIBIC e tem permitido publicações em revistas nacionais e internacionais.
A liga Acadêmica de Clínica Médica registrada na Sociedade Brasileira de Clínica Médica permite que os alunos exerçam atividades importantes, com atuação junto aos doentes, encurtando assim a distância entre a graduação e a vida profissional, pois aprendem a tomar decisões sem as quais não há aprendizado.
Há quatro anos assumi o cargo de Secretário Executivo da Comissão Nacional de Residência Médica do Brasil e lá fiz um trabalho bastante forte que mudou radicalmente a Residência no Brasil! Impediu que o residente virasse mão-de-obra barata, contemplando realmente o aprendizado em serviço com supervisão, resgatando a preceptoria e a avaliação, tendo sido uma mudança significativa!
Para a Escola isso foi e é muito importante porque antes recebíamos em torno de cinco a sete vagas de residência por ano. Aumentamos para duzentas em três anos! Hoje a maior Residência do país é a nossa. E eu dei essa contribuição para Escola, não por eu ser daqui, mas por estabelecer critérios ela atender a todos eles. Não foi nenhum favor, mas valorização do mérito. Fui homenageado pelo Conselho da Escola em vista deste trabalho, o que muito me sensibilizou. Saí de Brasília com a certeza da missão cumprida e, sem que meus princípios éticos fossem violados. Poderei me dedicar de forma presencial ainda mais aos meus projetos na UNIFESP.
Tenho três filhos médicos: um que faz Clínica Médica como eu, Cardiologia e Clínica Médica, aqui na Disciplina de Clínica Médica, tem trinta anos, mas no momento após o pósdoc na Duke University é “Cardiology Fellow” e Chefe dos Fellows da Instituição; O outro é o filho do meio é obstetra e fez residência no Hospital Santa Marcelina. Sua atividade é essencialmente assistencial junto aos menos favorecidos, sendo preceptor no Hospital Santa Marcelina. Minha filha mais nova também é obstetra, fez residência aqui na Escola e faz pós-gradução na área correspondente.
Com todas essas dificuldades na minha trajetória aqui na Escola, eu poderia ter desistido e me dedicado ao meu consultório onde sou bastante bem sucedido, mas sou idealista e ainda tenho na lembrança a família que encontrei quando entrei na Escola Paulista de Medicina. Eu sou muito afetivo e desde que eu entrei na Escola, até porque é uma característica da própria escola, eu sou apaixonado por ela! E fui indo, fui indo, entrei por concurso e fui ficando Eu sempre achei que a escola era a maneira de eu me manter atualizado. Passei a trazer para a escola a minha experiência adquirida na vida profissional, o que é muito importante. Esses foram os motivos que me fizeram permanecer e lutar aqui. Outra motivação foi que com o andar da carruagem eu peguei gosto pelo ensino e pela carreira universitária. Eu não tinha a menor noção dela. Gostava e continuo gostando da Escola e fiquei sensibilizado pela carreira universitária, motivado por muitos de meus professores.
Minhas pesquisas sempre tiveram por objetivo responder aos problemas clínicos, dentro do que a Clínica Médica preconiza. Fui fazendo por idealismo, pela busca do saber sempre com grande orgulho de pertencer a Escola Paulista de Medicina. Tinha certeza do grande potencial da Escola e achava que conseguiria contribuir de alguma forma para o seu sucesso e reconhecimento no cenário médico brasileiro. Também acreditava ser importante estar vinculado a um lugar onde se elaborava e se divulgava o conhecimento, em alto nível.
A Escola era e é o palco para se discutir o contraditório. Eu sou muito favorável a esta discussão do contraditório, e da política universitária. A academia é o palco ideal para se discutir conseqüentemente o conhecimento. Entrei na Escola em busca de construir o meu conhecimento e a minha formação e a minha educação médica ao lado de professores extraordinários e que motivavam os alunos com base na beleza da medicina. A Escola era isso!
Quando eu entrei na Escola eu nem conhecia quais eram as disciplinas do curso médico, mas percebi que realmente a carreira universitária era interessante, sempre gostei de ensinar, de ter alunos a minha volta, pois eles são a mola propulsora para os que abraçaram o magistério superior. Os alunos sempre foram a pupila dos meus olhos.
Se um dia a escola acabasse começaria pela pós-graduação, seguida pela residência. A graduação resistiria até última instância. A Escola existe por que existe o aluno, sendo que atualmente a graduação perdeu espaço para a pós-graduação estrito senso, com inversão de situações em relação ao passado. Até que isto foi importante, essa inversão, pois a Escola, hoje, tem um importante papel na pesquisa e na pós-graduação, sendo referência nacional.
A nossa graduação caiu muito ao longo do tempo em prol do crescimento da residência e da pós-graduação, a nossa graduação é hoje relativamente fraca perto do que foi no meu tempo, por exemplo. Hoje quem dá aula não é mais o professor, se eu perguntar aos alunos quem é o professor titular de uma determinada disciplina, poucos saberão responder. Os alunos conhecem o preceptor, que é quem coordena o curso, conhecem os residentes mais velhos, mas a maioria não conhece o Professor é o Titular e raros conhecem alguns docentes. A propósito, o Professor Titular na Unifesp, encontra-se desprestigiado e desmotivado em vista do atual estatuto que garante a possibilidade de qualquer docente, sem a menor titulação poder ocupar o cargo de chefe de disciplina, o que vai frontalmente contra o mérito acadêmico. Isto não é democracia como querem alguns.
Dentro dos paradigmas da Disciplina de Clínica Médica ensino os alunos a tratarem o doente, e não apenas a doença que o acomete, com realce à relação médico – paciente e o humanismo na prática médica. Estabeleço eixos estratégicos com os quais trabalho para atingir esses objetivos. A relação médico-paciente, o humanismo na prática medica, a não exclusão social no atendimento médico, são os primeiros critérios que observo na avaliação de um médico. Analiso o médico pela maneira como trata o paciente menos favorecido! Tratou mal o pobre, pode ter todas as titulações, até mesmo as adquiridas em Harvard, mas para mim não é bom médico! Todos que me conhecem sabem que eu faço exatamente isso. Atuo na Escola da mesma forma que na clínica privada. O paciente tem que ser examinado com todo carinho e eu faço questão de ensinar com o testemunho da minha presença. Por que foram os meus professores que me ensinaram o que, infelizmente, não é habitual nos dias de hoje.
Em 2005 fui indicado Médico do Ano, homenagem que se diferencia das demais premiações por tratar-se de um compromisso com a sociedade na indicação de um representante maior da categoria médica, imbuído de equidade social, e sem discriminações. Diferencia-se, também, pela luta que promove no aprimoramento da valorização do ser humano. Esta foi a 29ª. Premiação outorgada pelo Capitulo Brasileiro da 13 Associação Médica de Israel. Muito me honrou estar ombreado a médicos do mais alto nível ético, profissional e acadêmico, como o Prof. Euriclides de Jesus Zerbini, o Prof. Ivo Pitangui e o Prof. José Aristodemo Pinotti, entre os demais. Além disso, pertenço também a Academia Paulista de Medicina.
O Prêmio Jabuti 2007, a mim outorgado pela obra Tratado de Clinica Médica, significou uma grande conquista em minha vida acadêmica pelo que ele passou a representar para o ensino médico nacional. Atribuo-o em grande parte aos ensinamentos recebidos de meus mestres da Escola Paulista de Medicina.
Voltando um pouco às origens, a primeira pessoa que me marcou aqui na Escola foi o Prof. Domingos Delascio, que me deu um exemplo de humanismo muito grande. Tratava as pessoas de forma exatamente igual, independente de nível social, raça e credo. Ele nunca quis saber se era pobre ou era rico! O Prof. Delascio foi realmente um grande exemplo para mim como médico e ser humano. O Prof. Wilson da Silva Sasso foi também, um grande mestre, na área da pesquisa, orientou minhas teses, e sempre me aconselhou nos momentos difíceis, sempre me pediu paciência, e procurar caminhos alternativos. O Prof. Oswaldo Ramos, a quem acompanhei desde a época de estudantes em suas visitas às enfermarias, era de uma inteligência brilhante, com grande capacidade de trabalho, e muito amor pela Escola. A Escola foi criada em sua casa, fundamentalmente por seu pai, o Prof. Jairo Ramos, quando ele tinha cinco anos. Considero o Prof. Oswaldo Ramos o meu Mestre e sempre que possível rendo-lhe homenagens imbuídas do meu eterno agradecimento.
Então foram essas as três pessoas que mais me marcaram. Outras pessoas foram importantes, com as quais não cheguei a ter contato, mas que indiretamente influenciaram minha formação pelo modelo que representavam no ensino da medicina e que apesar de não terem sido meus professores, realmente deixaram, um caminho que eu procuro seguir!
Fui aluno do Prof. Renato Locke, da disciplina de anatomia, e que depois de muitos anos morreu na minha mão. Em um domingo, assumi o plantão na UTI onde ele estava internado. Na sexta-feira anterior eu havia estudado um aspecto de anatomia do coração do qual ele gostava muito! Ao visita-lo como plantonista contei a ele o que estava estudando e senti que uma chama de entusiasmo acendendo dentro dele e mesmo com falta de ar, arfante, quase morrendo, ainda me deu uma verdadeira aula sobre o assunto. Quando acabou falei: “O senhor descansa um pouco, pois está muito cansado, falou muito!” Após duas horas veio a falecer A última aula que ele deu em vida foi para mim. Isso me marcou muito. O Prof. Locke tinha um carinho impar para com os alunos, uma grande formação moral, ética e espiritual!
Infelizmente, hoje, na Escola não existem mais esses professores, carismáticos, marcantes, que estão em contato com o aluno que estão à beira do leito, que tem uma liderança profissional, social e acadêmica ativa! Esse conjunto é importante e o fato de exercer a medicina plenamente é muito valioso, pois todos esses professores, verdadeiros ícones tinham uma atividade profissional intensa a traziam para a Escola a experiência adquirida. O Prof. Oswaldo Ramos dizia: “Se o médico não assume uma conduta ele não aprende e, não se atualiza”. A geração de professores mais velhos do que eu, como os Professores 14 Durval Rosa Borges, Esper Carvalheiro, Antonio Roberto Chacra entre outros tiveram aulas com esses Mestres e são eles que fazem, portanto esse diferencial.
Eu acordo de manhã e penso de imediato na enorme responsabilidade que tenho no ensino da medicina e me questiono se estou realmente formando e educando jovens para a prática médica do momento e do futuro. Se os estou ensinando a construir o próprio conhecimento, a buscar a informação e a serem cidadãos responsáveis mantendo viva a herança dos grandes Mestres da Escola Paulista de Medicina. Tenho a certeza de que venho cumprindo com meu dever.
Os recursos obtidos junto à iniciativa privada foram direcionados para as enfermarias do Hospital São Paulo e ambulatórios. Não houve vocação para a construção de um centro de pesquisa laboratorial o que permitiria a realização de pesquisas e suas publicações. Preferi investir no ensino, na assistência e na pesquisa clínica, em nível ambulatorial e hospitalar com a proposta de “desospitalizar” o ensino médico. O meu objetivo hoje é escrever no coração dos alunos, e que eles levem de mim a lembrança de alguém que um dia transmitiu algo de útil para sua vida profissional.
Em relação à expansão da UNIFESP, ela se fez necessária em um momento muito delicado da educação no País. Foi uma atitude louvável e corajosa. Foi uma daquelas decisões em que não há tempo para muitas consultas e discussões sob o risco de perder-se o momento histórico e por isto gerou controvérsias e questionamentos por parte de alguns setores da comunidade. Mas esta sempre foi uma característica da nossa escola, ou seja, trabalhar em cima do fato consumado.
A Escola Paulista tem dois significados para mim: um pessoal e outro social. O pessoal se prende ao fato de ter sido fui criado aqui. Construí nesta casa minha carreira acadêmica, universitária e profissional, onde aprendi a verdadeira medicina. A representatividade da Escola é muito grande no Brasil e fora dele e se hoje sou reconhecido extramuros é conseqüência, também de sua pujança. Acredito ser um exemplo do que a Escola pode representar na formação de um médico.
Do ponto de vista social a Escola representa um ícone muito grande no contexto da medicina nacional. Hoje sendo uma universidade contempla o tripé ensino, assistência e pesquisa! E a Escola é, realmente, um paradigma diante do ensino médico, com grande compromisso social o que contribui para que seja uma das principais escolas médicas do país! Ela tem uma pesquisa forte, uma extensão muito boa e, em relação às outras escolas médicas do país, seu ensino médico pode ser considerado bom. Poderia ser melhor? Sim poderia, mas nem sempre é possível ser ótimo em tudo! A graduação hoje está devendo um pouquinho por que o interesse dos professores está direcionado para a pesquisa e há também a falta de lideranças que ensinem pelo testemunho da presença, com ênfase nas habilidades, na ética e na atitude.
Antonio Carlos Lopes
Enfermaria do Hospital São Paulo
Anfiteatro Emil Burihan - Hospital São Paulo

